08 julho 2015

Redução de juros no Brasil e inconsistência dinâmica: o custo econômico da não credibilidade





Uma presidente pretensiosa:

Redução de taxa de juros. Sob esse discurso e definindo como meta de governo¹, a presidente Dilma empreendeu uma ardilosa batalha desde o início de seu mandato, em 01/01/2011. Realizando algo que sequer FHC e Lula haviam feito até então, a presidente de forma “inexplicável”, inicia uma nova fase de expansão do poder executivo, fase na qual agora também se torna competência presidencial determinar a taxa básica de juros (ainda que disfarçadamente).   

Nos bastidores, através da destruição da autonomia do Banco Central, a presidente e seu “grupinho”, Tombini (presidente do Banco Central), Mantega (Ministro da fazenda) e Belchior (Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão), iniciam o processo de redução consistente na taxa SELIC, ainda em 2011.

Especificamente, na 161ª (31/08/2011) reunião do COPOM, surpreendendo o mercado que esperava a manutenção da SELIC, o conselho estipula a mesma em 12% a.a, reduzindo-a em 0,5 p.p². O governo sinalizava, assim, o início de um novo período na gestão monetária do país. Dessa forma, até a 173ª (06/03/2013) reunião do COPOM os juros foram sendo reduzidos. Com efeito, a mesma foi reduzida de 12% a.a para 7,25% a.a no período.

Inconsistência dinâmica:

A inconsistência dinâmica ocorre quando o Banco Central (ou o governo) possui incentivos para renegar as políticas econômicas anunciadas.

No caso do Banco Central brasileiro, a inconsistência ocorre quando o Banco Central estipula uma meta de inflação (como 4,5% a.a.), e ao invés de buscar atingir tal meta, renega as políticas para tal fim, de modo a buscar outro objetivo (como não romper com o teto da meta, de 6,5% a.a), distinto daquele previamente anunciado.

Em regra, tal inconsistência acontece através de atos discricionários dos policy makers. Tal discricionariedade é perigosa visto que os formuladores da política econômica podem se utilizar da economia para tirar proveito próprio/político (por exemplo, estimular a economia acima de sua taxa natural, de modo a causar crescimento econômico de curto prazo, com fins puramente eleitoreiros). Isto posto, muitos economistas defendem a utilização de regras de políticas econômicas, fazendo uma clara separação entre política e economia. 

O Brasil, até o último mandato do presidente Lula, operava claramente sobre um regime de metas de inflação, e com elevada independência do Banco Central. Foi exatamente com a presidente Dilma que a inconsistência dinâmica foi iniciada.

A intromissão da presidente na autonomia do Banco Central desencadeou o processo que culminou com a redução permanente da Selic entre setembro de 2011 a março de 2013. Como dito, o início da redução da Selic foi uma surpresa para os agentes. Enquanto estes esperavam uma taxa estável – em vista da elevada taxa de inflação do país no momento, o Banco Central realizou uma astuta redução de 0,5 p.p na Selic, de início. E a redução continuou por um elevado período (atualmente, comprovadamente equivocada).

O argumento dado pelo Banco Central era de que a redução se fazia necessária em um vista do cenário mundial e do “sentimento” de consumidores e empresários brasileiros³,4.

Devemos ter em conta que a missão do Banco Central é “manter estável o poder de compra da moeda”, e operando sob um regime de metas de inflação, o mesmo deve se utilizar dos juros como variável de controle da inflação. 

Exatamente em um momento de inflação próxima a 7% a.a, um banco central reduzir taxa de juros, sendo que a meta da mesma era de 4,5% a.a, é algo, na melhor das hipóteses, improvável e inesperada pelos agentes. Com efeito, foi exatamente esse ato que iniciou o abalo da confiança dos agentes na credibilidade do Banco Central do país. Além disso, ficou demonstrado que o ato do Banco Central de reduzir os juros operou contra a meta previamente anunciada. Com efeito, o Brasil experimentou a tal da “inconsistência dinâmica”.

O grande problema da inconsistência dinâmica no caso do Banco Central ocorre pois, apesar de no curto prazo, ser possível um aumento do nível do produto e redução da taxa de desemprego pelo “efeito surpresa”, a instituição perde credibilidade na condução da política monetária. 

Há, portanto, um impacto adverso sobre as expectativas inflacionárias dos agentes econômicos. Com efeito, em um período futuro, o próprio Banco Central será obrigado a elevar demasiadamente a taxa de juros e induzir uma forte recessão econômica, recessão e elevação de juros superiores à necessária, caso não agisse constantemente surpreendendo os agentes. Em suma, o ganho de curto prazo é acompanhado de uma perda maior em um período futuro.

Segundo os teóricos, é justamente quando a política monetária é crível que o custo da desinflação é inexistente. Considere que o Banco Central anuncie uma política de redução da inflação. Uma vez feito o anúncio, ele afetará as expectativas dos agentes, que se ajustarão no sentido apontado. Se os agentes acreditarem na proposta anunciada, a inflação tende a ceder imediatamente. Não há perdas em termos de produto e emprego.

Ocorre que se não há cumprimento da medida anunciada pela instituição, os agentes econômicos passam a desconfiar da política econômica. Um simples anúncio de política terá um efeito desestabilizador, visto que os agentes se movem em sentido contrário ao do anúncio: não projetam, por exemplo, uma inflação menor, mas sim maior. É evidente a importância de o Banco Central possuir reputação: tal reputação consegue induzir a resultados desejáveis sem ter custos econômicos.

No atual cenário, visando retomar sua credibilidade abalada, o Banco Central tem feito um esforço hercúleo em termos de elevação das taxas de juros, com a finalidade de trazer as expectativas de inflação para o centro da meta estipulada de 4,5% a.a para o ano de 2016. Ainda que a SELIC esteja próxima de 14% a.a (sendo iniciada a alta em 7,25% a.a), as expectativas de inflação para o ano de 2016 ainda estão superiores ao centro da meta anunciada. Com efeito, é provável que a elevação da taxa Selic continue.

O que fica patente com essa análise é que o atual cenário de retrocesso econômico que o país vem sofrendo é fruto direto da política econômica (destacadamente monetária e fiscal) do país. 

Embora bem intencionada, visando reduzir os juros, sua política se mostrou um completo desastre, que custou, está custando e ainda custará muito ao país em termos econômicos. 

A reputação do Banco Central foi praticamente destruída. O custo do ajuste visando redução da inflação certamente está sendo superior ao que teríamos na ausência da destruição da autonomia do Banco Central, que agora tenta refazer sua reputação. 

Não devemos esquecer que taxa de juro é um preço que não pode ser definida na canetada, negando-se os fundamentos econômicos e passando impune. O Brasil está pagando o custo da discricionariedade da política econômica e do ativismo do executivo.

O que mais salta aos olhos é a comemoração de certas vertentes heterodoxas do pensamento econômico quando a intromissão da presidente no Banco Central foi iniciada. Acreditavam que a redução discricionária da Selic bem como o fim do “tripé econômico5” colocariam o país em um novo patamar, com maior crescimento econômico e estabilidade mantida.

Na realidade, de forma praticamente unanime, houve comemoração no país quando foi iniciada a redução da Selic através de canetada, totalmente desconectada dos fundamentos do país, que não possibilitavam redução dos juros naquele momento.

Sempre que ouvir um discurso de políticos ou economistas sobre “redução de taxas de juros” sem considerar reformas sólidas e bem orientadas nos fundamentos da economia brasileira, desconfie. Como disse o economista Friedrich August Von Hayek, “a curiosa tarefa da economia é demonstrar aos homens o quão pouco eles realmente sabem a respeito daquilo que eles imaginam ser capazes de projetar”. Que o diga nossa “presidenta”.
 
2) E atualmente, como fica a questão, sendo que a confiança de consumidores e empresários está em patamares mínimos e significativamente inferiores ao daquele período? Como fica a credibilidade de uma instituição, que no mesmo cenário, pratica política diametralmente opostas? Como crer nessa instituição?